Fliporto Favela

Fliporto Favela

A Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto), que celebra em 2025 duas décadas
de existência, prepara-se para um dos momentos mais emblemáticos da sua história: o
lançamento da Fliporto Favela. Com a chancela do curador e coordenador geral da Fliporto,
Antônio Campos, a iniciativa marca uma viragem no compromisso do festival com a “inclusão
cultural e o protagonismo das vozes periféricas”.
“Idealizamos a Fliporto Favela como um gesto radical de inclusão e reconhecimento dos
saberes produzidos nas margens. Não como espaços de ausência, mas como territórios de
potência criativa e epistemológica”, afirmou Antônio Campos, sublinhando a importância
simbólica e política desta nova vertente do evento.
A Fliporto Favela nasce em parceria com Altamiza Melo, conhecida por Altamiza da Favela,
empreendedora social e CEO da Rede de Favelas de Pernambuco (ReFavela), e propõe ser
“muito mais do que uma extensão do festival: pretende ser um território autónomo de escuta,
encontro e afirmação cultural”. A proposta é clara — “dar palco e visibilidade a autores,
editoras, coletivos, artistas e comunicadores que atuam nas margens do sistema literário e
cultural brasileiro, desafiando o cânone tradicional e deslocando o centro simbólico do debate
para as periferias, quilombos e guetos”.
“A Fliporto Favela é um movimento de afirmação cultural. Uma celebração da literatura como
ferramenta de resistência, uma aliança entre tradição e futuro, entre palavra escrita e voz
falada”, reforçou Campos, destacando o papel do festival como espaço de resistência simbólica
e educativa.
Por sua vez, Altamiza Melo frisou que “a Fliporto Favela é um marco de representatividade”.
“Pela primeira vez, as vozes das periferias estão no centro do debate literário, com autonomia
e protagonismo. Não é inclusão, é reconhecimento do que sempre produzimos: cultura, saber
e resistência”, disse Altamiza.

A necessidade desta iniciativa é evidenciada por números preocupantes: segundo a pesquisa
“Favelas do Brasil: Leitura e Consumo Cultural” (Instituto Locomotiva, 2023), as favelas
brasileiras movimentam anualmente R$ 202 bilhões e 67% dos moradores afirmam gostar de
ler. No entanto, apenas 38% têm acesso facilitado a livros. Além disso, o analfabetismo
funcional ainda atinge 29% da população adulta nas periferias, de acordo com o levantamento
“Alfabetiza Brasil” (2024).
Neste cenário de desequilíbrio estrutural no acesso à leitura e no reconhecimento de autores
periféricos no maior país da América do Sul, a Fliporto Favela propõe-se a ser uma “resposta
transformadora”. O evento apostará numa curadoria que privilegia “narrativas da periferia, e
não apenas sobre ela, reconfigurando o centro do debate literário, intelectual e artístico do
país”.
Ao longo dos quatro dias de programa, estão previstos debates sobre comunicação
comunitária, medias digitais, saberes tradicionais e resistências literárias, bem como oficinas
de leitura, produção cultural autónoma e valorização da oralidade. Um dos pontos altos será a
exposição “Baobá”, dedicada à memória viva dos territórios negros, e o “Slam A Voz da
Favela”, que dará espaço à expressão poética popular.
A música e as artes performativas também terão forte presença, com bailes de favela todas as
noites, celebrando a diversidade sonora do brega, do funk e de outros ritmos nascidos nas
periferias. Artistas consagrados como Emicida, MC Leozinho, Lia de Itamaracá e Arnaldo
Antunes estarão entre os destaques.
O impacto social do festival será reforçado pelo “Circuito Favela-Livro”, um programa que
levará escritores, ilustradores e editores independentes a bibliotecas comunitárias da Região
Metropolitana do Recife e outras periferias brasileiras. A ação visa “democratizar o acesso à
literatura, fortalecer redes culturais locais e inspirar políticas públicas a partir das experiências
dos territórios periféricos”.
Outro elemento inovador da Fliporto Favela será o “Favela Fala”, um estúdio móvel de rádio e
podcast que transmitirá ao vivo relatos, poesia, música e debates comunitários.
“Queremos amplificar as vozes que muitas vezes são silenciadas e criar um arquivo vivo da
oralidade periférica”, destacou Antônio Campos, que aposta numa programação interativa e
participativa.
Para além da celebração em Olinda, a Fliporto prepara-se para expandir as suas fronteiras. Em
2025, uma edição especial será também realizada em Portugal, fortalecendo os laços culturais
entre os dois países e reafirmando o compromisso da Fliporto com a internacionalização da
literatura de língua portuguesa.
“Com esta nova aposta, a Fliporto reafirma-se não apenas como um palco de encontros
literários, mas como um espaço vivo de resistência, escuta e transformação social. Um festival
que, ao dar protagonismo às periferias, redesenha o mapa simbólico da cultura brasileira e
aponta caminhos para um futuro mais inclusivo e plural. É o que pretendemos”, finalizou
Antônio Campos.

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